sábado, 14 de julho de 2007

Zero – Continuação

Aqui está a continuação prometida, com o conteúdo do jornal-laboratório Zero, editado pelo Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina e publicado em 1987.
O jornal traçou, naquele ano, um diagnóstico de Florianópolis, resgatando fatos históricos e prospectando o futuro da cidade. Como curiosidade, temos uma matéria da estudante Sônia Bridi, que hoje é repórter da Rede Globo baseada na França.
Se você não leu a primeira parte deste material, clique AQUI.

Na seqüência [página 9], sob a cartola "Desterro já era", as autoras da matéria – Tina Yoshizato e Paula Remísio – traçam um diagnóstico interessante sobre as mudanças ocorridas entre 1937 e 1987. Principalmente as transformações comportamentais e econômicas. Diminuiu o tamanho das famílias, a pesca se reduziu e o turismo passou a ser o foco. A fundação da UFSC é citada como um marco divisor. "A cidade passou a ter um caráter mais universal e a universidade federal desempenhou um papel fundamental neste quadro, devido à grande injeção de recursos para o pagamento de funcionários, transformando o mercado imobiliário e de serviços, além de ter atraído para a Ilha muitos profissionais, que vieram desempenhar funções de professor ou pesquisador (...)".
Sobre o turismo, diz o texto: "O contato com turistas gerou transformações sociais e econômicas muito sérias na sociedade receptiva – no caso, dos florianopolitanos –, além de forçar a criação de uma nova identidade cultural. O local se adapta para atender a essa variedade de pessoas, passando de comunidade agrícola-pesqueira a estância turística e os bens passam a ter, cada vez mais, valor de troca e não mais valor de uso" (...).

A página 10 faz um passeio fotográfico pelo antigo Miramar, demolido por volta de 1973. Sob o título "Soterrado pelo homem", diz o texto que "amarra" as fotos: "O Miramar era o fim e a continuação da cidade. O local para um chá, um encontro. Em seu lugar, um terminal de ônibus.

Depois de uma análise sobre a renovação das artes plásticas – centrada numa entrevista com o mestre Harry Laus –, outra página [a 12] resgata fotograficamente alguns aspectos da cidade, com ênfase na destruição da vida portuária que girava na Baía Sul, da região do mercado à Rita Maria.

A questão cultural volta a ser discutida na página 13. Neste caso, a literatura e a chegada tardia do modernismo a Santa Catarina – quase 30 anos depois que fora lançado em São Paulo. A ênfase é relacionada ao Grupo Sul e aos desdobramentos posteriores. O entrevistado é o professor e escritor Lauro Junkes, atual presidente da Academia Catarinense de Letras.

Depois de um belo balanço do esporte, o jornal chega a uma matéria especial de duas páginas, cujo tema é o trabalho de dois grandes fotógrafos documentaristas da cidade, Valdemar Anacleto e Nestor Fernandes. As imagens são belíssimas: embora meu Zero esteja bem amarelado, é impossível não se encantar com as fotos de Fernandes publicadas nas páginas 16 e 17. Era outra Florianópolis, uma aldeia intraduzível.

A Lagoa é o tema das páginas 18 e 19. Na 20, as rendeiras, na 21, o desaparecimento da pesca artesanal já naquela época (1987).

A devastação ambiental está na página 23. "Matas nativas quase exterminadas", diz o título. "Desmatamento indiscriminado ameaça a ilha", completa a cartola. A matéria de Luciene Abdo compõe um diagnóstico sintético da questão, centrando mais o tema na destruição dos manguezais, com destaque para a Bacia do Itacorubi, prejudicada pela invasão urbanística dos anos 1950 em diante. Explica também que os manguezais do Rio Ratones e do Saco Grande também acabaram reduzidos, em função da implantação da SC-401, que atraiu a urbanização crescente.

La Bridi

A matéria de Sônia Bridi, hoje uma celebridade internacional do jornalismo, está na página 27, sob o título "População cresceu dez vezes", referindo-se ao período dos 50 anos anteriores à publicação da reportagem. "Entre 1940 e 1980, a população de Florianópolis passou de 46 mil para 187 mil habitantes oficiais", registrava a futura repórter da Globo. "O responsável por este aumento populacional em quase cinco vezes foi o fluxo migratório. Somente entre 1970 e 1980, 67 mil pessoas chegaram à ilha, fixando residência no município. Dessas, 26 mil vieram do interior de Santa Catarina. As outras deslocaram-se de todos os estados e territórios do Brasil. O maior número de migrantes veio do Rio Grande do Sul: 4.200, seguido pelo Rio de Janeiro, com 2.800, Paraná, 3.100 e São Paulo, com 2.300".

O jornal encerra com uma crônica absolutamente surreal, escrita pelo jornalista [e professor] Carlos A. Locatelli. Intitulada "Híbridos", a criação de Locatelli remete Florianópolis para cinco décadas depois [o ano de 2.037], prevendo graves transformações para a Ilha de Santa Catarina. Não sei até que ponto o Locatelli reagiria republicação dessa crônica hoje em dia, passados 20 anos. Como não tenho autorização dele para reproduzi-la, copio só um pedaço, que é para atiçar o apetite: "Florianópolis continua quase a mesma. Quase, porque o Cruz e Sousa foi pintado de vermelho na virada do século, o Morro da Cruz se transformou numa enorme pedreira e a Ponte Hercílio Luz caiu durante a cerimônia de comemoração de seu centenário. A figueira da Praça 15 também mudou. Da imensa árvore só restam cinzas, fruto de um torcedor avaiano exaltado com a conquista do estadual, após um jejum de 50 anos. Mas a Felipe ainda está aí, com o Senadinho, cheio de gente sem fazer nada. Só falando em política e olhando as mulheres nuas que passam".

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